Cerca de 60 mil foram resgatados do trabalho escravo de 1995 a 2022, aponta sistema do MPT e da OIT
Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas teve atualização divulgada em cerimônia na sede da PGT
Brasília - Com a participação de sobreviventes da escravidão contemporânea, gestores públicos e autoridades, foi realizada, nesta terça-feira (2.5), na sede da Procuradoria-Geral do Trabalho (PGT), a cerimônia de lançamento da atualização do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, desenvolvido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), no âmbito da iniciativa SmartLab de Trabalho Decente. O evento foi presidido pela vice-procuradora-geral do Trabalho, Maria Aparecida Gugel.
Pelo sétimo ano consecutivo, o Observatório, cuja gestão tem a contribuição da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), reúne de maneira integrada dados públicos sobre quatro dimensões das políticas públicas – erradicação, prevenção, proteção e parcerias. A ferramenta contextualiza a escravidão contemporânea e contribui para a atuação de gestores públicos, da sociedade civil, de pesquisadores e de jornalistas, guiando políticas públicas em cada um dos 5.570 municípios brasileiros, unidades federativas e em âmbito nacional.
Entre outros dados, o Observatório mostra que, entre 1995 e 2022, 60.251 pessoas foram encontradas trabalhando em condições análogas às de escravo no Brasil. Desse total, 2.575 foram resgatadas no ano passado, período em que os estados com maior número de resgates foram Minas Gerais (1.012 pessoas, alta de 32% em relação a 2021), Goiás (267 pessoas, +12%), Piauí (180 pessoas, +480%), Rio Grande do Sul (156 pessoas, +105%) e São Paulo (146 pessoas).
O evento contou com a presença do agente de Cidadania Gervásio Meireles, do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán, de Açailândia, no Maranhão. Sobrevivente do trabalho escravo, ele fez um relato sobre os tempos em que foi explorado, em uma lavoura do município de Santa Luzia, no Maranhão (veja entrevista ao final da matéria). A CEO do Fundo Global para o Fim da Escravidão Contemporânea, Sophie Otiende, participou do evento de forma remota, a partir de Nairobi, capital do Quênia.
A vice-PGT, Maria Aparecida Gugel, ressaltou que "o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas traz informações essenciais a processos de tomada de decisões quanto a medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, de acordo com a meta 8.7 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável". “A plataforma oferece subsídios valiosos para a identificação de áreas prioritárias, com detalhamento geográfico e contextual de vulnerabilidades, apontando onde os casos ocorrem, com qual frequência, se há mudanças ao longo do tempo e quais os grupos afetados, brasileiros e brasileiras, e com a atualização, em 2023, de imigrantes de outras nacionalidades, no Brasil”, disse Maria Aparecida Gugel.
Ela acrescentou que os cinco observatórios digitais da iniciativa SmartLab contam com mais de 1 milhão de visitas, oriundas de mais de 80 países, consolidando-se como o maior repositório de informações e conhecimento sobre trabalho digno, no Brasil. Segundo a vice-PGT, a plataforma recebeu, no último ano, o acesso de mais de 100 mil novos usuários, 93% eles do Brasil e 7% de outros países.
A coordenadora do Programa de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho do Escritório da OIT para o Brasil, Maria Cláudia Falcão, afirmou que hoje é um dia emblemático para o lançamento da atualização do Observatório, pois, em 1º de maio, Dia do Trabalhador e da Trabalhadora, o governo federal encaminhou para o Congresso Nacional manifestação de apoio à ratificação do Protocolo Facultativo da Convenção OIT nº 29, sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório.
Além de Maria Aparecida Gugel, de Gildásio Meireles e de Maria Cláudia Falcão, a mesa de abertura do evento contou com as presenças do secretário do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), o juiz do Trabalho Bráulio Gabriel Gusmão, representando o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lelio Bentes Corrêa; do secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marivaldo de Castro Pereira, que representou o ministro Flávio Dino; e da diretora do Departamento de Fiscalização do Trabalho a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Aline Bessa de Menezes. A coordenadora da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete), Lys Sobral Cardoso, também esteve presente ao evento, bem como outros membros do MPT, representantes do Judiciário e entidades parceiras no combate ao trabalho escravo.
Entrevista com o agente de Cidadania Gervásio Meireles, 42 anos
Quando você foi recrutado para esse trabalho ilegal?
Em 2007 começou essa jornada. Fui levado para trabalhar numa fazenda, como vaqueiro e, quando cheguei, infelizmente a realidade era outra. Tive que trabalhar no desmatamento. Outras 16 pessoas estavam lá, algumas há seis anos, não conseguiam sair. Sempre trabalhei no trabalho pesado. Venho de família pobre, acostumado em trabalhar em lavoura. Mas, quando cheguei lá, me senti escravizado, pela jornada exaustiva, não tinha alimentação adequada, não tinha alojamento adequado. E todos os meses que a gente fazia prestação de contas, a gente estava sempre devendo. Por isso a gente não podia sair. Foi então que eu decidi fugir, para pedir ajuda. Algumas pessoas diziam “você não vai conseguir, eles vão tentar te matar”, e eu disse “se eu tiver que morrer vou morrer tentando fugir daqui, para buscar a liberdade”. Graças a Deus eu consegui fugir.
E o que aconteceu depois da fuga?
Cheguei a Açailândia, pedindo carona e consegui fazer a denúncia, primeiramente no Ministério do Trabalho, e então me encaminharam para o Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Lá consegui fazer a denúncia. Quinze dias depois, voltei à fazenda, porque tinha feito algumas amizades com algumas pessoas que estavam sendo escravizadas e, por causa da minha fuga, elas poderiam estar correndo risco. Quando cheguei à fazenda fui abordado (pelos exploradores). Inventei que tinha conhecido uma moça e que a gente teve um relacionamento, que eu tinha passado 15 dias na casa dela. Trinta dias depois eu fugi de novo e, quando cheguei no Centro de Defesa, a polícia e o Grupo Móvel vieram, e fomos até a fazenda fazer o resgate dos demais colegas que estavam lá.
Qual sua opinião sobre o trabalho desenvolvido pelo MPT, Ministério do Trabalho e outros órgãos contra o trabalho escravo?
A importância do Centro de Defesa, do Ministério Público do Trabalho, do Ministério do Trabalho é de combate a esse trabalho escravo, que até hoje existe no nosso meio, infelizmente. Uma coisa que a gente não consegue entender, de tão absurda. Então é um bom trabalho que está sendo feito.
Qual a dica que você daria a outros trabalhadores para eles não passarem o que você passou?
Esse tipo de proposta, geralmente, a pessoa que recebe está em uma situação bem complicada, faltando tudo dentro de casa. Filhos querendo comer, e a pessoa sem condições de pagar as dívidas, o comércio, e às vezes a pessoa sente que a proposta é muito vantajosa, mas uma coisa que dá para perceber que tem algo errado. Mas, pela necessidade que a pessoa está passando em casa, ela prefere arriscar, e é onde acontece. Então, o que a pessoa tem que fazer é estar atenta a esse tipo de proposta.