“A Lei Áurea não produziu seus efeitos”, afirma procurador durante Fórum sobre Trabalho Escravo
II Fórum de Combate ao Trabalho Escravo em Sergipe aconteceu nesta sexta-feira, no auditório do MPT-SE
“Trabalho Escravo ainda existe”. Esse foi o tema que direcionou os debates, na manhã desta sexta-feira (26), no auditório do Ministério Público do Trabalho em Sergipe (MPT-SE), durante a realização do II Fórum de Combate ao Trabalho Escravo em Sergipe. O Procurador-Chefe do MPT-SE, Márcio Amazonas, fez a abertura do evento e destacou a importância da articulação entre as instituições e a sociedade. “É importante que as pessoas saibam o que configura o trabalho escravo, onde pode ser encontrado, para que todos sejam aliados na identificação e punição de quem comete o crime e parceiros na teia protetiva que oferece o devido tratamento e reparação às vítimas”, ressaltou.
Participaram do evento o Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região, Jorge Antônio Andrade Cardoso, o Subprocurador-Geral do Estado, Vladimir de Oliveira Macedo, o Defensor Público da União, Vinícius Feire Vinhas, o superintendente Regional do Trabalho em Sergipe, José Cláudio Silva Barreto, a delegada da Polícia Federal, Paula Santana Alves, o superintendente substituto da Polícia Rodoviária Federal, David Azevedo, a prefeita do município de Monte Alegre, Marinez Silva Pereira, o diretor regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), Marcos Sales, além de representantes de secretarias estaduais, sindicatos e demais instituições.
Durante o Fórum, a Procuradora do Trabalho Lys Sobral Cardoso falou sobre o papel do MPT e o cenário do trabalho escravo em Sergipe. "A articulação das instituições faz com que estejamos mais preparados para dar sequência a essa política pública. Se os casos acontecem, que eles sejam mostrados e que as pessoas sejam atendidas da melhor forma", pontuou.
O Ministério Público Federal (MPF) também participou do Fórum, com a presença da Procuradora da República e Coordenadora Criminal, Gabriela Barbosa Peixoto. Ela falou que, apesar de os dados, em Sergipe, serem tímidos, não significa que o trabalho escravo não existe. “Os números refletem a necessidade de uma interação, entre todos os órgãos de fiscalização, para que esses casos realmente cheguem ao conhecimento do Ministério Público Federal”, explicou.
Em 2019 foi criada a Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo em Sergipe. Em 2023, a COETRAE-SE foi instalada para fortalecer a atuação conjunta das instituições. Durante o evento, o presidente da Comissão, Kalil Ralin, falou sobre os avanços. “O Fórum é de fundamental importância e não poderíamos deixar de participar, para trazer informações e expor, aos atores envolvidos, a situação do trabalho escravo e a importância da criação dessa rede para a erradicação”, disse.
A Universidade Federal de Sergipe (UFS) contribuiu com o debate, através da participação da professora Flávia de Ávila e dos pesquisadores Victória Cristine Andrade e José Lucas Carvalho, que estudam o trabalho escravo contemporâneo e o tráfico internacional de pessoas. “É possível verificar como Sergipe se insere nessa dinâmica internacional, já que aqui é um lugar de aliciamento. Verificamos que as pessoas que estão sendo escravizadas fora também têm o mesmo perfil das que são escravizadas aqui no estado”, explicou a professora Flávia de Ávila.
O auditor-fiscal do Trabalho e chefe da Fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho em Sergipe, Thiago Laporte, foi um dos palestrantes e ressaltou o papel dos auditores. “Quando detectamos um trabalhador em situação análoga à de escravo, promovemos o resgate, que se dá mediante a sensação da condição do trabalho, o pagamento das verbas rescisórias, o acolhimento de fins de garantia e o fornecimento das guias do Seguro-Desemprego do trabalhador resgatado. Além disso, a fiscalização do trabalho é responsável por manter a lista suja do trabalho escravo, que é um cadastro dos empregadores que são condenados, na via administrativa, por terem submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo”, destacou.
O Juiz do Trabalho Henry Cavalcanti Macedo, que prestigiou o evento, falou que é fundamental incutir nas pessoas a responsabilidade de cada um no combate ao trabalho escravo. “A gente acha que o trabalho escravo está muito distante da nossa realidade e ele é muito próximo. Às vezes, é dentro da nossa casa; às vezes, é numa casa vizinha ou com um empresário que a gente até admira. Então, é necessário ter a consciência de que a gente precisa conscientizar para poder prevenir”, afirmou o magistrado.
O secretário de Estado do Trabalho, Emprego e Empreendedorismo, Jorge Teles, acredita que os debates promovidos traduzem a união e a necessidade de erradicar o trabalho escravo. “Esse Fórum, sem dúvida alguma, vai resultar numa grande entrega para a sociedade, no combate ao trabalho escravo, no fim da normalização que existe em nossa sociedade sobre o abuso, o trabalho extenuante que é dado ao trabalhador nos dias de hoje”, frisou.
O Procurador do Trabalho e Coordenador Regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), Adroaldo Bispo, encerrou a programação do Fórum destacando o papel da COETRAE-SE e a urgência de romper, na sociedade, o que ele classifica como “cegueira deliberada”. “A Lei Áurea não produziu seus efeitos. Temos que parar de buscar narrativas, conceitos e adjetivos que minimizam a trajetória colonizadora desse país. A sociedade brasileira vive uma cegueira deliberada. Não adianta cada um agir sozinho. Precisamos de uma ação coletiva e Sergipe deu um grande passo, com a criação da COETRAE”, destacou.
Ações continuam
A programação da campanha de combate ao trabalho escravo continua em Sergipe. Nesta sexta (26) e sábado (27), perto da praça de Eventos, na Orla da Atalaia, sergipanos e turistas poderão conferir a “caixa da realidade”, que traz fotos e relatos de trabalhadores resgatados, das 17h às 21h. “Faremos a socialização de conhecimento, com divulgação de uma cartilha e canais de denúncia, além de uma pesquisa que avaliar o nível de conhecimento das pessoas sobre o que é trabalho escravo”, disse a presidente do Instituto Social Ágatha, Talita Verônica.